Críticas e Comentários

Poeta, professor, dicionarista, gaúcho de Porto Alegre, pouco visado pelas antologias, talvez por seu temperamento fugidio, poeta de voz rebelde e intransigente, com artesanal de metáforas de quem não de quem não se rendeu diante do jugo ditatorial nos anos de chumbo, do Brasil, estreou om Crisbal, o guerreiro (1966), de extração épica e resistência contra o sistema de arbítrio. Vejam este fragmento:

Lavradores de origens
Retornamos
Ao ferro e ao fogo
à agua, ao sal, à cinza
e rolamos contra o sonho
a pedra do caminho.
 Subitamente
quase morto por viver
convocamos uma lembrança
ada à infância
quase sobrevivente
como um bicho ensimesmado
quase agônico
e enchemos o peito
de algas e sacrifícios de futuros sortilégios
sem medo do que será
o dia arrancado à loucura.

Esse guerreiro que está no personagem, que está no poeta, levanta-se com uma linguagem humana e aguerrida. E essa consciência coletiva, de precisos e contundentes versos, rege a poética carmiana para sua coletânea seguinte, Estação de Força (1987), onde a rebeldia ante a injustiça é ferrenha, om o sortilégio de um cantar mais duro, inflexível, com palavras como pedras. E é desse volume, o poema primoroso que, por desaviso ou ignorância, certa mídia tenta imputar a Mario Quintana, talvez pelo inconsciente desejo de suprimir a ciosa glória paulina, a custo entretecida no silencio - Viver primeiro:

Sentir primeiro, pensar depois.
Perdoar primeiro, julgar depois.
Amar primeiro, educar depois.
Esquecer primeiro, aprender depois.
Libertar primeiro, ensinar depois.
Alimentar primeiro, cantar depois.
Possuir primeiro, contemplar depois.
Agir primeiro, rezar depois.
Navegar primeiro, aportar depois.
Viver primeiro, morrer depois.

Em sua obra, Livro de preceitos (1993) é uma pausa contemplativa, com ricos e fecundos adágios, arte antiquíssima e atual. Porque Paulo do Carmo é muito antigo e, por isso contemporâneo. Seu verbo ainda mais se arma contra as investiduras deste tempo sombrio, mais áspero se faz, menos apaziguador, menos cordato – com poemas de estrutura cortante, apesar de rilkeanamente refletir, sopesar as diferenças de sonho, defender as trincheiras de uma liberdade que é reduto de humanidade.

Ora é a arte de revidar (2000), ora é o Breviário de insolência, sua obra-prima, com o altíssimo texto sobre a fome. Culmina esse canto om O livro das manhãs (1997), ainda que a publicação não tenha seguido essa ordem. É o poder e a alegria da palavra como cura da dor e da solitária realidade. Pode alguém suscitar que as reiterações incessantes de temas como revide, resistência, luta, transgressão, espada, punhos fechados, sacrifícios pesam no poema, mas são essas obsessões que assinalam a harmonia interna do mundo inventado. E é por isso que Nelson Rodrigues admoesta: ‘’Eu não existiria sem minhas repetições.” E Elias Canetti afiança: “O que repete pouco jamais será um pensador.” Sim, este denodado poeta, cuja poesia, enquanto amadurece, mais se interna ao bojar do pensamento, guerreiro andante e fraterno. Sísifo louco, que, tendo a coragem de não se abdicar de uma convicção, “faz – no dizer de Antônio Houaiss- de sua poesia algo eterno, indo às fontes”. E a fonte tem água limpa de alma. E a fonte, por conter a tradição e o ser primitivo, fábrica de linguagem, invenção de acordes humanos, sopro societário, sabendo pensar, sem deixar de ser mágico, atinge universalidade, buscando a terceira margem do rio na palavra. O que é dado a poucos.

Carlos Nejar
História da literatura Brasileira: da carta de Caminha aos contemporâneos
Carlos Nejar-3. Ed.rev. eampl. Editora Unisul- SC-2014- 9526.  

 

Há poemas que se gravam em brasa na memória de nós, leitores, tornando-nos cúmplices de sua brotação. E aí, repousam/germinam como boas sementes que, transformadas em pão, vão alimentar-nos, ajudando a construir nosso conhecimento/ sentimento das coisas deste mundo, ajudando-nos a perceber/sentir outros mundos que, ao longo de nossas leituras, topamos pelos caminhos, como aquela pedra do poeta Drummond.
Há muitos anos, li pela primeira vez um poema de Pessoa. Ele ensinava: // Para ser grande, se inteiro: nada/ teu exagera ou excluí. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/ No mínimo que fazes. /Assim em cada lago a lua toda/ Brilha porque alta vive. //
E esse poema germinou em mim e, de semente que era, transformou-se em epígrafe para a brotação dos preceitos e cantos, na arte poética de Paulo Roberto do Carmo.
Em minha estante de livros, os poemas de PRC estão ao lado da minha obra de Pessoa. Fico imaginando, à maneira de Borges, que os poemas do autor de ‘’massagem’’ devem conversar, trocar ideias com muitos poemas de PRC, como este ‘’Homem Inteiro’’, que diz: // Atreve-te, e sê inteiro/ entra no sangue dos humilhados/ em suas veias semeia o futuro/ colhe a flor humana que se abre de ti/.../ atreve-te e sê inteiro/ com a palavra, com o silêncio/ engastado no tempo/ altaneiro aos ventos/ para-raios nas tormentas /...//.
E, assim relacionando-os intertextualmente, quando leio este ‘’Homem Inteiro’’, lembro-me logo daquele poema de Pessoa (Ricardo Reis).
Há poetas (e são multidão), líricos por excelência, que se comprazem em revelar-nos seus sentimentos, sensações, vivências, fechados em seus pequenos mundos calafetados, pois o lá-fora é ameaçador e nada se pode fazer a não ser sonhar com seu próprio ‘’umbigo’’. São poetas-solistas, cantam ‘’à capella”, para que todos se maravilhem com sua voz/interpretação.
Há outros poetas, como Pessoa, que são muitos, mas cada um assumindo sua própria identidade. São plurais, na temática, no estilo, na vida.
Há, ainda (e são poucos) o poeta-coral, que fala por/para todos, a partir de uma palavra-semente coletiva, conclamando seus leitores a cantarem junto com ele. Comporta-se como um líder, um profeta, buscando pela palavra-ação, a adesão de todos seus leitores-cúmplices a uma pedagogia da libertação, por meio da solidariedade, da construção de um ‘’fratrimônio’’, como diz o poeta dos preceitos. Só se pode compor com muitas mãos solidárias, ‘’limando a esperança, o sonho, os punhos.’’
Em tal projeto poético-pedagógico, o poeta constrói sua arte, ensinando: // sentir primeiro, pensar depois. / Amar primeiro, educar depois. / Libertar primeiro, ensinar depois. / Alimentar primeiro, cantar depois. /...//.
Ouço a voz de Paulo Freire, de ‘’Pedagogia do Oprimido’’, cantando no coral desse poema.
Por vezes, na obra de PRC, a palavra assume o protagonismo, dentre as obsessões do poeta, como em: // Andar com as palavras/ é romper o ventre das horas: / em gotas de sangue dar-se à luz / ganhando caminho, para fora, / abrir o espaço, afrontando a solidão. //
A tese-devaneio do poeta é que deve haver, num mundo platônico de ideias puras, uma palavra-sangue, princípio de tudo, semente de tudo o que vive e morre.
Sua arte poética reside na síntese dos ‘’Tambores da Madrugada’’.
E, ainda, prova que domina o ritmo lúdico do poetar, em ‘’De Amar’’.
Mas na solidariedade, como saudade de outro humano, irmão no ‘’fratrimônio de destino, sangue e pústula’’, que excele PRC.
Na leitura que faço de sua obra, encontro, como característica dominante de sua arte, a concretização, em imagens/metáforas/símbolos, dos valores da solidariedade, fraternidade e justiça social.
Na tematização poética desses valores é, desde sempre, o mais representativo poeta de nossa terra gaúcha.
Arte poética de cariz social, sim, mas nunca resvalando para a oratória fácil, popularesca, de caráter propagandístico/ideológico; ao contrato, rigorosa e de alta inventividade no emprego de recursos estilísticos, como a concretização, a humanidade, na elaboração metafórica de rara beleza, na expressividade de uma linguagem, de um idioleto poético onde ecoam sonoridades evangélicas e bíblicas: //.../ agora e na hora de nossas cotidianas mortes. // (E nós, leitores-cúmplices, dizemos: Amém), Ou, ainda, quando profetiza no poema ‘’Canto da Casa Reencontrada’’: // Na manhã /.../ Na tarde/.../ na noite do vigésimo-primeiro dia/ da brotação de tuas penas /.../ Tempo virá/ em que o rosto humano irrompendo de sua razão, entre perfumes e chuvas, / refulgirá, pleno e humilde, não mais das cavas de seus espelhos, / mas na seara comum onde os desígnios se repartem / e os sonhos se organizam nas tulhas da aurora, / à sombra de Deus /... / (E nós, leitores-cúmplices, dizemos: Assim seja.)

Raul Machado
Por Caminhos da Cultura Brasileira
Porto Alegre-ed.cidadela, 2010

 

PRC, cuja palavra grave foi assemelhada a “uma raiz que fecundasse a terra de auroras e ressurgimentos” (...) Testemunham-no os versos de abertura dum trabalho que bem poderia caber na modalidade épica, portanto impessoal,- porque traça um destino heróico, não as vicissitudes de um poeta sonhador. Antecipo a objeção: tudo isso deve ser aplicado, não ao criador da gesta, mas ao seu herói. Tanto melhor, embora eu pressinta uma identificação do criador com a criatura. Há luta em todos os recantos do poema. Da sua posição de fogo, o lidador adverte: “Olha que nasce a guerra...” Ele se acha entrincheirado num sonho de grandeza e de conquista, o que lhe propicia um terreno ideal, embora ígneo, para um amor que raia com a loucura: “Aqui, ele ama como um homem ama: /A própria loucura”. Por este lado constituindo a luta com um dos maiores antídotos contra a ansiedade, o poema é alvissareiro. (...) A inquietação denuncia-se no entre-choque de situações afetivas pragmaticamente opostas, como “fúria e gozo”. A própria obra que o guerreiro-demiurgo empreende tem um tal ou qual caráter teratológico, como reflexo de estado tumultuário do seu espírito (...) Sente-se que na construção mesma há demolição. (...) Poeta do mérito desse estreante, cuja sensibilidade – e encantamento até! – nos dão versos como estes: “De muito retalhar/ o silencio da terra,/ Tanto,/ tanto penhasco removi em pós o enigma da posse,/que aprendi a ouvir o inexprimível: /Como a semente baixo ressoa, /logo cresce, /Se agiganta”. (...) Há pois fundadas razões para se acreditar nos poemas e prosadores do momento, negando o panorama sombrio que eu vi há uns doze anos atrás e que nada mais era do que, simplesmente isto: a literatura estava morta em nossa terra. E o grande sinal da terrível verdade era que a mocidade se mantinha calada.

Dionélio Machado
Variações sobre a Poesia
Correio do Povo, Porto Alegre, 6/11/66

Andei lendo e relendo – em sessões descontínuas, depois de uma contínua – seu Breviário da Insolência. A força de Crisbal perdura, mas você cresceu, na construção, na capsularidade, no epigramático. está algo dizendo-me que sua economia verbal é usina da qualidade – associada a algo que não é freqüente, a luminosidade. A coragem de não abdicar de uma convicção – a de que, como homens, sejamos deuses ou sejamos nada, nada somos se não reivindicamos para todos o que queremos para um só que seja de nós – faz de sua poesia algo eterno, indo às fontes, pois nas fontes até o lírico é social. Nisto que me resta de vida, é uma alegria – grave, mas alegre – ler o que sai da alma de homens como você. Se o quadro humano é torpe, não o é por causa de homens como você. Poeta, prossiga – rogo-lhe!

Antonio Houaiss
23/02/91

(...) Os núcleos com que se mune, na Estação de Força (1987), se constelam em rebeldia, motim, cavilação, conjuras, privação, forjadura, viseira, sublevação, batalha. Seus vocábulos são ferrenhos, como o fio da espada desembainhada. Livro de verbos em rotação, todo o texto ruma para a luta sem quartel em lugar nenhum. Ou em todos. (...) A poesia de PRC, em Breviário da Insolência, perdeu os adornos, para se tornar mais intensa; despojou-se para achar a medida de exatidão e deserto. Adentrou-se para adensar-se. Ficou substantiva para endurecer o pensamento na luz. e a luz na palavra sonhando. As coisas só podem ser ditas, como o foram pelo poeta, até o cerne. De Crisbal, o Guerreiro (1966) para Estação de Força (1987), foi um processo de maturação e quietude. Vinte anos de silencio os intermeiam. E, agora, esse volume editado pela Massao Ohno é a simplicidade da pedra polida na funda de Davi, até o alvo. Como Davi, o poeta não mais se ajusta à armadura e ao escudo. Joga-os fora. São demasiadamente pesados. Não se acoplam mais. Basta-lhe o cajado de peregrino e a funda esticada. Na perícia. O que mais é necessário para a alteza da poesia, senão o lance no espaço? Tudo se engatilha, até a dor. Tudo se armazena, até o sonho. O raio atravessa a palavra e esta, a inteligência das coisas. Qual a técnica do vôo? É o vôo. A agudeza do arremesso. E a concretude é tanta, que explode o verso com as imagens. (...) PRC suscita, dialogicamente, como pretendia Bakhtin, a imaginação do leitor. Bate, desperta. E tem a capacidade verbal de “isolar e chamar a atenção para o que já temos em nosso poder” (R.P. Blacman). O que vislumbramos, antes. Na memória. (...) Eis a força, a fúria do que resiste. Pois não há separação diante da poesia. É sobretudo esta – obstinada, crítica, consignadora, vergada de trabalhos, esperançosa, livre. E que nos reconcilia com o tempo.

Carlos Nejar
Breviário da Insolência
Massao ohno, 1990

(...) Os poderosos deste mundo lançam mão dos mais diversos pretextos para manter o Homem sob o jugo da servidão, da miséria, da doença, do sofrimento, da ignorância. Cabe ao poeta manter desperta a consciência e compartilhá-la com seus irmãos. Cabe-lhe, com sua intuição visionária lançar pontes sobre a banalidade cotidiana e arrebatar ao futuro as utopias mais inacreditáveis; e colocá-las diante de olhos cansados, incrédulos, míopes e até mesmo cegos, a fim de que o Homem se sinta motivado a reunir o que lhe resta de força, para tentar mais uma vez o salto, o transcender.

Eduardo Alves da Costa
Breviário da Insolência
Massao Ohno, 1990

Quando PRC publicou, em 1966, Crisbal o Guerreiro, pelo Instituto Estadual do Livro, público e crítica receberam a obra com entusiasmo. Fugindo aos esquemas tradicionais, o texto revela com força épica raramente encontrada na poesia brasileira, constituindo-se o livro de estréia em obra acabada. (...) Retomando temas da obra anterior, (Estação de Força) impregna os versos uma força épica que funde, nas metáforas, erotismo e violência. Negando-se a contemplar o mundo, seu canto é coletivo, voz do homem que resiste ao próprio desamparo. Poesia social, é um grito de guerra que se nutre e ampara na esperança.

Léa Masina
Estação de Força
Movimentos/IEL, 1987

(...) Crisbal, o guerreiro, de PRC. Uma formidável construção poética, cuja linguagem se impõe, um tanto medieval, um tanto minério, um tanto arco-íris, em conjunto com as ilustrações de Stockinger, de uma força terrível. “Crisbal cavava um templo no foturo” – diz um verso de PRC – e outro: “Obra bastarda, suas mãos moldavam orlas/ na brasa quente, e ela refulgia viva e reta”. (...)

J.A. Pio de Almeida
Correio do Povo, 28/5/78

(...) PRC é um impressionista farncês mesclado a um trovador medieval. Parece que ele está cavalgando com uma bandeira de vitória na mão. (...) Gosto da vitalidade da sua poesia, do denodo (...).

Walmir Ayala
02/09/66

(...) Insolência de quem contra quem? A insolência para acontecer, requer sujeito e objeto. O objeto comparece meridianamente definitivo já nas primeiras páginas. O agredido é o homem: o seu brio, o seu desejo de lucro, a sua vontade de oprimir. Breviário da Insolência é um livro contra o culto do homem ao homem. Contra um certo humanismo, que na inoportuna exaltação do homem, aplaude as excrescências, os adereços, do ídolo cultuado. (...) A poesia lucidamente preocupada em depurar a palavra, em reconduzi-la à origem, em surpreender o novo, leva o poeta a refletir sobre os seus instrumentos verbais. Nas veredas da poesia, PRC descobre o meio de o homem conquistar e reconquistar a dignidade, sem negar o corte da humanação. A palavra livre, insubmissa, inventiva, depurada. Obediente à epígrafe: “tornar-se humano é uma arte”, o poeta faz da arte um instrumento de humanação. (...) PRC compreende a vida como um processo em que aquilo que é, nasce do seu contrário, dialética em que a poesia realiza a sua tarefa de renovação. Breviário é uma palavra que lembra prática religiosa, embora na poesia de PRC o breviário é sem transcendência, compromisso firmado com o aqui e agora, na sua emergência, na sua riqueza e pobreza. A lucidez do sujeito brota de dentro do que acontece. A espada se afia, na refrega. A vida renasce na escória em que se desgasta.

Donaldo Schüler
Rádio da Universidade, 20/03/91

(...) O poeta dá toda a ênfase ao canto, para transmitir na íntegra as suas emoções mais fundas de jovem diante da vida – a sua angústia, as suas esperanças, a sua estupefação às vezes.

Waldemar Cavalcanti
O Jornal, 23/10/66, Rio

“Crisbal, o Guerreiro” é um momento de consciência na poesia brasileira. É o grito agudo de um tempo feito loucura. É a ânsia realizada do poeta que habita o espaço do mundo moderno, que escuta a ameaça do seu tempo e busca nas cinzas do desvalor o barro inventivo do herói. Em Crisbal, o homem renasce, respira e supera. E a possibilidade de vitória surge como necessidade imperiosa. Porque ele é despojado e fantasmal, mas é real e olímpico, pois escuta as pulsações do mundo. Porque constrói o mundo, reinaugura o sentido e reinventa a razão. Crisbal é o renascimento do homem vertical e a sua reabilitação: busca na luta, não a idéia, mas o ato da dimensão do homem. Ele aproxima o homem do homem, desperta a sua consciência e faz brotar uma postura épica da própria condição da sua tragédia. Isso porque propõe a luta como medida do homem moderno. (...) Crisbal é a certeza e a confiança na vitória do homem, longe das nuvens do misticismo, pois é pregado na Terra que ele construirá as bases de sua humanização. Crisbal é um momento de dor para os niilistas modernos. (...) E se as linhas de sua poesia vibram de energia, e se o verso é deslumbrante e despojado é porque PRC não tremeu ainda diante das brumas do tempo que matam a juventude do homem. E se Crisbal continuar no gesto enérgico, não tremerá nunca.

M. Aurélio Barcellos
Correio do Povo, 5/6/66

(...) O que fascina em teu livro é, justamente, esta necessidade misteriosa das palavras; e elas adquirem a dimensão dos mistérios revelados quando sentimos sua carnalidade viril. “Crisbal, o Guerreiro” foi antes esculpido do que escrito. Sentimos em cada página o trabalho sobre o material que opõe resistência na plasmagem de um mundo das coisas, e jamais a plasmagem fácil e dúctil do mundo das idéias e das palavras vazias. E a grandeza do teu guerreiro está nesta existência carnal, quase férrea, que lhe dá materialidade. Encontramo-nos diante de um verdadeiro poeta, que negando a facilidade da palavra, procura em sua aspereza a criação de um mundo. (...) Pois é bom ter sempre consciente que não existe senão a justiça, a injustiça foi inventada pelo homem. E aos que falarem em apaziguamento, responde como Cristo no maravilhoso evangelho de São João: “Não vim trazer a paz, mas atear o fogo da luta”.

Jefferson Barros
Correio do Povo, 31/5/66

(...) A primeira observação que se faz é que o verso diminuiu se tamanho. Está mais denso, menos espraiado. A dicção, contudo, continua a mesma, o que é excelente. as preocupações e os temas que chamaram a atenção de todos para a literatura de PRC, vinte anos depois, embora parcialmente datados, na medida em que a história brasileira persiste enquanto um doloroso e irremediável impasse, não perderam a atualidade. Se em “Crisbal, o Guerreiro”, o tom era de indagação e rebeldia, com um pouco de denúncia quase panfletária, agora encontramos o mesmo rebelde, mas mais aprofundado e abrangente em suas perquirições. A denúncia contínua, menos panfletária mas muito mais irônica, o que demonstra menor envolvimento emocional e maior distanciamento dos fatos. A revolta persiste, mas ampliou-se a perspectiva que valoriza o humano, que descobre a proximidade e a identidade entre os seres e que, sobretudo, reconhece, na poesia e no fazer do poema, uma espécie de redenção-função do poeta em frente a este mundo menor fluído, mais fragmentado como denota o próprio verso, amplamente marcado pela violência, mas nem por isso, absolutamente, desesperançado. O retorno de PRC ao livro é extremamente importante porque amplia, não só em quantidade quanto em qualidade, o número dos artistas do verso que acreditam na arte enquanto identificada com a dor humana. (...)

Antonio Hohlfeldt
Diário do Sul, 2/7/87

(...) Carmo é um criador de palavras duras, ásperas, preocupado com o social, convicto de que o verbo é um ato de guerrilha. “O mal se legitima quando os que padecem não se revoltam”, assegura. A desobediência é fundamental: “Quando tudo se torna insuportável só a desobediência liberta”. Na arte rebela-se: “Pois se o poema / com uma palavra beija / com outra esbofeteia / com uma estocada fere / com outra amanhece, / às vezes mata /às vezes salva / com a direita esfola / com a esquerda consola / por que não há de ser o poema capa-e-espada?”. Herético, PRC acredita que os deuses amam a irreverência, pois “os homens desobedientes são feitos do barro que não se deixa amassar”. Pressiona: “O tempo conspira contra os que testemunham calados e não revidam”. Fala, então, poeticamente: “Da disciplina do sanegue / herdei a palavra / as desavenças / da disciplina da alma / habitei o deserto / as ventanias / da disciplina da insolência / sobressaltei os outros / o desprezo / da disciplina da humilhação / aprendi a desconformidade / as estranhezas / da disciplina dos loucos / contive o urro / os desejos / da disciplina dos touros / escarvei o chão / a desmedida”. Fazem-se, pois, poetas éticos, implacáveis, severos com a desigualdade, sem desmerecer a forma. “É na resistência que se ama mais intensamente a vida”, ensina.

Juremir Machado da Silva
Zero Hora, 5/11/1990

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